VANTAGENS E DESVANTAGENS DO VOTO
OBRIGATÓRIO E DO VOTO FACULTATIVO
Paulo Henrique Soares
RESUMO
O artigo trata da obrigatoriedade do voto nas Américas, da relação
entre democracia, desenvolvimento econômico e obrigatoriedade do
voto. A tutela do Estado sobre o cidadão ao impor o voto compulsório.
Discute-se a liberdade de escolha e o dever cívico, bem como a
necessidade de dotar o processo eleitoral de ampla participação do
eleitorado para legitimar regimes autoritários.
O tema em análise é um dos mais recorrentes do Congresso Nacional e
da opinião pública, sendo retomado com ênfase sempre após os pleitos eleitorais, em
virtude, principalmente, da crescente tendência ao absenteísmo do eleitor e ao
aumento dos votos brancos e nulos.
A atual Constituição brasileira manteve a tradição do voto obrigatório
iniciada com o Código Eleitoral de 1932. Os debates sobre o voto facultativo durante
os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte foram intensos, e prevaleceu a
visão de que, nesse aspecto, o Estado é o tutor da consciência das pessoas, impondo
sua vontade à vontade do cidadão até mesmo para obrigá-lo a exercer sua cidadania,
inobstante nossa própria Carta Política consagrar, como as demais do mundo
civilizado, a soberania e a supremacia do Povo sobre o Estado, pois é do Povo que
emana o poder, e só o Povo é soberano.
I – ARGUMENTOS FAVORÁVEIS AO VOTO OBRIGATÓRIO
Os principais argumentos sustentados pelos defensores do voto
compulsório podem ser resumidos nos seguintes pontos, a saber:
a) o voto é um poder-dever;
b) a maioria dos eleitores participa do processo eleitoral;
c) o exercício do voto é fator de educação política do eleitor;
d) o atual estágio da democracia brasileira ainda não permite a
adoção do voto facultativo;
e) a tradição brasileira e latino-americana é pelo voto obrigatório;
f) a obrigatoriedade do voto não constitui ônus para o País, e o
constrangimento ao eleitor é mínimo, comparado aos benefícios
que oferece ao processo político-eleitoral.
Analisando cada um desses pontos pelo lado dos que perfilham a
obrigatoriedade do voto, temos:
a) o voto é um poder-dever
Para muitos doutrinadores, o ato de votar constitui um dever, e não um
mero direito. A essência desse dever está na idéia da responsabilidade que cada
cidadão tem para com a coletividade ao escolher seus mandatários.
Discorrendo sobre a natureza jurídica do voto, afirma NELSON DE
SOUZA SAMPAIO:
Do exposto, conclui-se que o voto tem, primordialmente, o caráter de uma
função pública. Como componente do órgão eleitoral, o eleitor concorre para
compor outros órgãos do Estado também criados pela constituição. Em geral,
porém, as constituições têm deixado o exercício da função de votar a critério
do eleitor, não estabelecendo sanções para os que se omitem. Nessa hipótese,
as normas jurídicas sobre o voto pertenceriam à categoria das normas
imperfeitas, o que redundaria em fazer do sufrágio simples dever cívico ou
moral. Somente quando se torna obrigatório, o voto assumiria verdadeiro
caráter de dever jurídico. Tal obrigatoriedade foi estabelecida por alguns
países, menos pelos argumentos sobre a natureza do voto do que pelo fato da
abstenção de muitos eleitores, – fato prenhe de conseqüências políticas,
inclusive no sentido de desvirtuar o sistema democrático. Nos pleitos eleitorais
com alta percentagem de abstenção, a minoria do eleitorado poderia formar os
órgãos dirigentes do Estado, ou seja, Governo e Parlamento.” (Eleições e
Sistemas Eleitorais, in Revista de Jurisprudência – Arquivos do Tribunal de
Alçada do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1º trimestre de 1981, p. 66)
b) a maioria dos eleitores participa do processo eleitoral
O pleito em que a maioria dos eleitores vota é de legitimidade inconteste,
tornando-o insusceptível de alegação pelos derrotados nas urnas de que o resultado
eleitoral não corresponde à vontade dos eleitores. Isso é especialmente importante em
democracias ainda não inteiramente consolidadas, como a nossa, em que há uma
clivagem social muito forte, bastante favorável à instabilidade político-institucional.
O baixo comparecimento eleitoral poderia comprometer ainda mais a
credibilidade das instituições políticas nacionais perante a população.
c) o exercício do voto é fator de educação política do eleitor
A participação constante do eleitor no processo eleitoral torna-o ativo na
determinação do destino da coletividade a que pertence, influindo, desse modo, nas
prioridades da administração pública, ao sugerir, pela direção de seu voto, aos
administradores e parlamentares, quais problemas desejam ver discutidos e
resolvidos; a omissão do eleitor pode tornar ainda mais grave o atraso sócioeconômico das áreas pobres do país; também, leva o debate eleitoral para os lares e
locais de lazer e de trabalho, envolvendo, inclusive, as crianças e jovens que serão os
eleitores de amanhã.
d) o atual estágio da democracia brasileira ainda não permite a
adoção do voto facultativo
A sociedade brasileira ainda é bastante injusta na distribuição da riqueza
nacional, o que se reflete no nível de participação política de largos segmentos
sociais, que desconhecem quase que inteiramente seus direitos de cidadãos. O voto
constitui, nessas circunstâncias, um forte instrumento para que essa coletividade de
excluídos manifeste sua vontade política.
Por outro lado, com o voto facultativo, os eleitores bem informados e de
melhor nível de escolaridade, que constituem, portanto, o público formador de
opinião, tenderiam a não comparecer as urnas, preferindo aproveitar o feriado para
viagens de lazer, ausentando-se de seu domicílio eleitoral e, desse modo, favorecendo
o êxito de candidatos com vocação clientelista, o que empobreceria a política
brasileira.
e) a tradição brasileira e latino-americana é pelo voto obrigatório
Os países da América Latina mais importantes, em termos de população
e riqueza, em especial os da América do Sul, adotam o voto obrigatório desde que
instituíram o voto direto, secreto e universal. No Brasil, essa tradição já vem desde
1932, sem que isso tenha ocasionado, até hoje, qualquer problema à democracia ou
ao cidadão brasileiros.
f) a obrigatoriedade do voto não constitui ônus para o País, e o
constrangimento ao eleitor é mínimo, comparado aos benefícios
que oferece ao processo político-eleitoral
Não se conhece qualquer resistência organizada à obrigatoriedade do
voto. Trata-se de uma imposição estatal bem assimilada pela população.
O fim do voto obrigatório significaria um ganho irrisório de liberdade
individual, constituindo, porém, uma perda substancial do nível de participação dos
cidadãos no processo eleitoral.
II – ARGUMENTOS FAVORÁVEIS AO VOTO FACULTATIVO
Os adversários do voto obrigatório refutam tais idéias acima com os
seguintes argumentos:
a) o voto é um direito e não um dever;
b) o voto facultativo é adotado por todos os países desenvolvidos e de
tradição democrática;
c) o voto facultativo melhora a qualidade do pleito eleitoral pela
participação de eleitores conscientes e motivados, em sua maioria;
d) a participação eleitoral da maioria em virtude do voto obrigatório
é um mito;
e) é ilusão acreditar que o voto obrigatório possa gerar cidadãos
politicamente evoluídos;
f) o atual estágio político brasileiro não é propício ao voto
facultativo;
Analisando cada um desses pontos pelo lado dos que perfilham a nãoobrigatoriedade do voto, temos:
a) o voto é um direito e não um dever
O voto facultativo significa a plena aplicação do direito ou da liberdade
de expressão. Caracteriza-se mais como um direito subjetivo do cidadão do que um
dever cívico e, para ser pleno, esse direito deve compreender tanto a possibilidade de
se votar como a consciência determina, quanto a liberdade de abster-se de votar sem
sofrer qualquer sanção do Estado.
b) o voto facultativo é adotado por todos os países desenvolvidos e de
tradição democrática
Os países líderes que praticam a democracia representativa e que servem
de modelo para os demais, constituem Estados democraticamente consolidados.
O fato de não obrigarem seus cidadãos a irem às urnas não os torna nem
um pouco mais frágeis que o nosso quanto a esse aspecto. Não há qualquer país desenvolvido e politicamente amadurecido, que participe da chamada vanguarda da
civilização ocidental, integrada pelos países da Europa ocidental e integrantes da
Comunidade Britânica de outros continentes, além dos Estados Unidos da América,
que imponha a seus cidadãos a obrigatoriedade do voto.
c) o voto facultativo melhora a qualidade do pleito eleitoral pela
participação de eleitores conscientes e motivados, em sua maioria
Os defensores da não-obrigatoriedade acreditam que o voto dado
espontaneamente é mais vantajoso para a definição da verdade eleitoral.
Com a adoção do voto facultativo, pode-se até admitir que, em algumas
áreas de extrema pobreza, continue a ocorrer o chamado “voto de cabresto”, em que o
chefe político da região tem um certo controle sobre o eleitorado, conduzindo-o às
urnas, mas, por outro lado, deve reduzir-se a níveis ínfimos a quantidade de votos
nulos ou brancos, denotando um corpo eleitoral motivado pela proposta apresentada
pelos partidos ou candidatos.
Ademais, os números relativos às últimas eleições presidenciais
brasileiras levam-nos à constatação de que, deduzindo-se do total do eleitorado a
soma das abstenções com os votos nulos e brancos, em grande parte decorrentes de
erro do eleitor durante o ato de votar, ter-se-ia praticamente o número de eleitores que
votaria se o voto não fosse obrigatório: em torno de cinqüenta por cento, percentual
de comparecimento às urnas semelhante ao da última eleição norte-americana,
recentemente realizada.
O eleitor que comparece às urnas contra a vontade, apenas para fugir às
sanções previstas pela lei, não está praticando um ato de consciência; nesse caso, ele
tenderá muitas vezes a votar no primeiro nome que lhe sugerirem, votando em um
candidato que não conhece (fato que estimula a cabala de votos na boca das urnas,
promovida pela mobilização de aliciadores de votos que o poder econômico
propicia), ou a votar em branco, ou, ainda, a anular o seu voto.
d) a participação eleitoral da maioria em virtude do voto obrigatório
é um mito
Trata-se de um engodo se é conseguida mediante constrangimento legal
e, também, de uma situação que deturpa o sentido da participação, pois o fato de o
eleitor ir a uma seção eleitoral não significa que ele está interessado nas propostas
dos candidatos e dos partidos políticos.
Um número elevado de eleitores vota em branco ou anula seu voto
deliberadamente, como protesto, ou por dificuldade de exercer o ato de votar por
limitações intelectuais. Assim, o sistema político pode tornar-se desacreditado pela
constatação da existência de um número elevado de votos brancos e nulos, para não
se mencionar o absenteísmo, que cresce a cada eleição pela desmotivação do eleitor.
e) é ilusão acreditar que o voto obrigatório possa gerar cidadãos
politicamente evoluídos
Ao referir-se à obrigatoriedade de votar como um exercício de cidadania
do eleitor, muitos defensores do voto obrigatório querem fazer crer que o fato de um
cidadão escolher um candidato transformá-lo-á em um outro homem, conhecendo seu
poder de intervenção na sociedade.
Essa é uma daquelas idealizações ingênuas que nem mil anos de prática
social conseguem afastar. Sua matriz é a mesma que acredita que a cabeça de um
homem é uma tábula rasa sempre disponível para entranhar qualquer concepção
política, se ela for exercitada. Ora, sabemos que os indivíduos são diferentes entre si.
O modo como cada pessoa vê o mundo é muito particular; por conseguinte, o
desinteresse em participar do jogo eleitoral diz respeito apenas a sua consciência.
Cabe aos partidos políticos cativar essas pessoas para suas propostas. Se
tais propostas forem sedutoras, os eleitores comparecerão às urnas.
Uma multidão amorfa conduzida mediante constrangimento legal às
urnas tem a mesma decisão eleitoral de uma boiada, destituída de vontade própria e,
portanto, sem responsabilidade por sua atitude, já que esta é tutelada.
f) o atual estágio político brasileiro não é propício ao voto facultativo
Acreditam os que comungam desse pensamento que não temos uma
sociedade com maturidade política suficiente para praticar a democracia na forma dos
países do Primeiro Mundo.
Desprezam, também, a evidência de que o Brasil tem hoje oitenta por
cento de sua população morando nas cidades, sendo significativa sua presença nos
grandes centros populacionais e regiões metropolitanas e, ainda, que o fácil acesso
aos meios de comunicação de massa permitem a todos ter acesso fácil a informações
do mundo inteiro, influindo, assim, na consciência do cidadão mediante o
conhecimento sobre a vida de outros povos, ou mesmo de outras regiões brasileiras,
mormente sobre os aspectos de liberdade política, marginalidade social, racismo,
comportamento sexual, violência urbana, consumo de drogas pelos jovens,
desenvolvimento científico e tecnológico e outros temas da atualidade.
Entendem que o eleitor brasileiro ainda se encontra em estágio político
inferior para o pleno exercício da democracia, havendo necessidade de que alguém
superior, como o Estado, acompanhe-o, ensinando-o como exercitá-la.
Os que se opõem a essa argumentação atribuem essa visão do processo
político ao elitismo antidemocrático, incapaz de dissimular o autoritarismo nele
embutido. A crença dos que adotam essa idéia é a de que o nosso povo não sabe o
que é democracia ou participação política, necessitando, assim, de um auxílio da
parte dos entendidos para que possa compreender o processo político.
Essa é uma desconfiança das pessoas letradas em relação às mais
humildes. Desprezam o bom senso inerente à maioria dos cidadãos, constituída de
pessoas simples, porém sábias, para avaliar as propostas dos partidos e de seus candidatos, pois acreditam que somente pessoas de nível intelectual alto têm
capacidade para votar “corretamente” e estão sempre alegando que os votos dados
aos candidatos que não sejam de sua ideologia são considerados votos manipulados.
Se a consciência política de um povo ainda não está evoluída
suficientemente em razão do subdesenvolvimento econômico e de seus mútuos
reflexos nos níveis educacionais, não é tornando o voto obrigatório que se obterá a
transformação da sociedade. Se assim fosse, o Brasil e a maioria dos países da
América Latina, que adotam a compulsoriedade do voto há muitas décadas, estariam
com seus problemas sociais resolvidos. Não seria absurda, portanto, a conclusão de
que, se nunca tivéssemos tido a obrigatoriedade do voto, teríamos hoje um processo
político-eleitoral muito mais amadurecido e consolidado, como aconteceu com os
povos politicamente desenvolvidos.
De modo geral, podemos afirmar que os regimes autoritários têm
preferência pelo voto obrigatório, porque, assim, o controle do Estado sobre a
sociedade é mais forte.
São essas as principais opiniões que conseguimos coligir a respeito do
assunto. Muitos outras poderão ser apontadas, porém não acreditamos que possam
trazer maior fundamentação na defesa de uma ou outra posição. O tema é
inegavelmente polêmico, e somente as circunstâncias sociais históricas e políticas é
que determinarão qual o caminho a ser adotado pelo Brasil relativamente à
permanência em nossa Constituição do instituto do voto obrigatório.
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ANEXOS
Complementam este estudo as informações abaixo, que decidimos dispor
separadamente, em virtude de constituírem inequívocos panegíricos ao voto
facultativo.
ANEXO I
OUTROS ARGUMENTOS EM DEFESA DO VOTO FACULTATIVO,
PRINCIPALMENTE EXCERTOS DE DISCURSOS
PRONUNCIADOS PELO EX-SENADOR JUTAHY MAGALHÃES
NO SENADO FEDERAL
1. Os argumentos que determinaram a obrigatoriedade do voto no Brasil
merecem uma reavaliação, pois essa exigência já existia no Código Eleitoral de
1932, portanto, há mais de meio século, quando as condições econômicas e
políticas do País eram bastante diferentes.
2. Os defensores desse constrangimento legal têm a pretensão de impor a
participação política como um modo de estabelecer legitimidade para a democracia
representativa.
3. No entanto, as transformações econômicas sofridas pelo Brasil nas
últimas décadas geraram um novo perfil de sociedade, caracterizado pela forte
urbanização e pela grande expansão dos meios de comunicação, propiciando uma
situação mais favorável ao exercício da cidadania ao desvincular o eleitor dos
feudos agrários que permearam a histórica política nacional desde o advento das
Capitanias Hereditárias.
4. O mundo também mudou. Não há, hoje, nenhuma democracia
representativa relevante que adote o recurso do voto obrigatório. A mais
importante delas, a dos Estados Unidos da América, que mal consegue levar às
urnas a metade do eleitorado, mesmo nas campanhas presidenciais mais disputadas. Tal fato não leva à dedução de que falta participação popular àquele
consolidado sistema político-eleitoral.
5. De acordo com os conceitos mais modernos, o voto facultativo é questão
pacífica nas principais democracias do mundo contemporâneo. O voto é entendido
como uma faculdade da pessoa, uma autodeterminação do próprio cidadão, fruto
de sua liberdade de escolha, de sua vontade. O ato volitivo, para ser amplo e
irrestrito, não pode ser obrigatório, pois vontade é uma questão de consciência.
6. Voto é direito. Exercita-o o cidadão consciente e discernido. O eleitor,
ao participar do processo democrático, exerce um ato de liberdade. Se quiser
protestar, protestará votando bem.
7. Os países totalitários, no chamado período de guerra fria, exaltavam o
seu sistema eletivo por conseguir a participação de praticamente todos os cidadãos,
cujas escolhas dos governantes eram feitas unanimemente, haja vista não haver
oposição.
8. Nos regimes consagrados à construção do poder político mediante o
sufrágio universal direto e secreto, a opção eleitoral é um direito deferido aos
cidadãos, mas é um direito subjetivo, do qual seu titular poderá fazer uso ou não,
segundo o princípio da livre manifestação da vontade.
9. Desse modo, o que interessa efetivamente num pleito eleitoral é a
mobilização da opinião pública, e esta é a que efetivamente exprime a substância
da atuação política do eleitorado. Aquele que vota apenas para evitar complicações
legais e burocráticas não está imbuído de nenhum propósito específico quanto aos
negócios da polis no original sentido grego e não há lei que o faça se interessar por
um assunto que lhe parece não dizer respeito.
10. Ademais, se a obrigatoriedade do voto fosse um instrumento de essência
democrática, os nossos governantes autoritários a repeliriam, fato jamais ocorrido
na nossa História. O voto compulsório, portanto, não conduz à via da democracia.
11. Obrigar a votar quem não quer fazê-lo não seria uma forma de
autoritarismo? Não será disparatado supor que desse ato compulsório possa brotar
algo que mereça ser chamado de consciência política?
12. O voto facultativo insere o cidadão no campo da plena e livre escolha,
tornando o sufrágio mais compatível com os ideais democráticos; e, por ser
voluntário, constitui um passo à frente na direção do aperfeiçoamento das nossas
instituições democráticas.
13. Quando o voto é facultativo, a sociedade participativa toma em suas
mãos as rédeas do processo político. Reconhece-se uma das garantias individuais
do cidadão: a de opinar ou não.
14. A Constituição de 1988, ao tratar dos direitos políticos, em seu art. 14, § 1º,
manteve a tradição da obrigatoriedade do voto, iniciada em 1932, ano em que o voto
secreto foi introduzido no País. Desde então, o voto – antes facultativo e a
descoberto – tornou-se secreto e obrigatório, a pretexto de que sua
compulsoriedade asseguraria a participação da maioria dos cidadãos e tornaria
mais legítimo o poder dos eleitos.
15. Sendo o voto o ato formal que assegura o direito de escolha, é inegável
sua importância operacional na prática dos ideais democráticos, pois é por seu
intermédio que o cidadão influi e participa da vida política nacional.
16. O comparecimento às urnas e o resultado das últimas eleições, no Brasil,
têm revelado, entretanto, uma crescente falta de interesse do eleitor em relação ao
processo eleitoral. A grande maioria do eleitorado que participa do pleito, ao
examinar as suas possibilidades de intervir no processo político com o seu voto,
vê-se diante das seguintes opções: votar em alguém, ou então, deliberadamente ou
por incapacidade intelectual, votar em branco ou até mesmo anular o voto.
17. Os dados revelam que o voto obrigatório, efetivamente, não teria
nenhum compromisso com a realidade da prática representativa; no máximo,
conseguiria conduzir o eleitor à urna, não favorecendo em nada a prática e o
aperfeiçoamento da nossa democracia. Ele seria simplesmente o cumprimento de
um dever cívico e não o livre exercício de um ato de consciência.
18. Alguns defendem o argumento de que o voto nulo, ou em branco, reflete
muito mais a incapacidade de preencher corretamente a cédula, ou operar a
máquina de votar, do que a insatisfação do eleitor. Caberia, neste caso, perguntar:
por que obrigar a votar quem não é capaz de fazê-lo?
19. A ocorrência de elevado número de votos brancos e nulos registrada nas
nossas eleições evidencia o distanciamento cada vez maior entre os brasileiros e as
instituições políticas do País, pois esses dois tipos de voto traduzem,
freqüentemente, a inconformidade dos eleitores com os candidatos, com os
partidos e com a própria política.
20. Pesquisas recentes demonstram ser bem mais intenso do que se supunha
o desinteresse dos brasileiros pelo voto e em relação à sorte dos candidatos aos
postos eletivos. Cerca de 52% dos cidadãos consultados nas dez principais
unidades federativas responderam que, se o sufrágio não fosse obrigatório, não
compareceriam às urnas.
21. Uma pesquisa realizada pelo DataFolha, já há algum tempo, revela um
dado interessante sobre a questão da manutenção ou não do voto obrigatório,
quando se leva em consideração o grau de escolaridade do entrevistado: 57% dos
que têm apenas o primeiro grau são a favor do voto obrigatório; dos que têm nível
superior, somente 27% defendem a obrigatoriedade, enquanto 72% querem o voto
facultativo.
22. Não importa descer às causas próximas ou remotas dessa flagrante apatia
popular evidenciada na referida pesquisa. Em seu artigo “O voto obrigatório”,
publicado na coletânea Cem Anos de Eleições Presidenciais, o cientista político
Marcus Faria Figueiredo, baseando-se em dados de pesquisas realizadas pelo
Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo – IDESP e por
outros institutos, concluiu que a participação do eleitor varia em função da sua
maior ou menor convicção de que, através de seu voto, ele será capaz de influir na
vida política nacional, estadual ou municipal. A flutuação na taxa de abstenção,
segundo o autor, está estreitamente ligada às condições em que ocorre a
competição política e à crença na efetividade do voto como mecanismo de
mudança política.
23. Não se justifica mais uma preocupação tão grande com o absenteísmo
eleitoral, pois esse parece seguir as condições conjunturais da disputa política. A
abstenção eleitoral é, hoje, um fenômeno comum nas sociedades do Primeiro
Mundo. Em países democraticamente estáveis como os Estados Unidos, a França,
a Alemanha, a Grã-Bretanha, e tantos outros, é grande a falta de participação dos
eleitores, mas nem por isso se questiona a representatividade dos eleitos.
24. As nações mais desenvolvidas que adotam o voto facultativo não são
consideradas menos perfeitas do que a nossa, por registrarem um comparecimento
de 50% ou menos de eleitores. Nos Estados Unidos, já houve eleição com a
participação de menos de 50% do eleitorado. É o caso desta última para Presidente
da República. Nas democracias européias, o voto, mesmo facultativo, é capaz de
atrair uma maioria significativa de cidadãos. Na Grã-Bretanha, por exemplo, chega
a 70% a participação nos pleitos para a Câmara dos Comuns. Na França, é de 80%
o comparecimento à eleição que renova a Assembléia Nacional.
25. A lição a ser extraída das diversas pesquisas que vêm sendo divulgadas é
a de que o voto obrigatório, conforme norma inscrita na Constituição Federal,
transcende às regras de organização política do Estado, pois toma a forma de um
constrangimento abusivamente imposto ao cidadão, mascarando o que pensam os
eleitores a respeito dos candidatos e dos partidos.
26. É necessário despertar no eleitor a consciência cívica. Se o eleitor não é
capaz de entender a importância de votar, é porque não tem maturidade política e
não será a obrigatoriedade do voto que conseguirá amadurecê-lo à força.
27. O Brasil – sabemo-lo todos – é uma das poucas democracias do mundo a
impor o voto obrigatório. Alegam seus defensores ser a indução à participação da
cidadania politicamente conveniente, para não dizer indispensável, em
democracias frágeis como a brasileira. Só votando, entendem eles, aprende-se a
votar. Em não sendo obrigado a comparecer às urnas, o brasileiro preferiria ficar
em casa, ir à praia, ou fazer uma viagenzinha para aproveitar o feriado.
28. Há mais. A obrigatoriedade do voto privilegiaria a decisão política. Seria
a garantia da qualidade dos eleitos e da própria política. Os representantes
escolhidos seriam modelo de primor funcional e moral.
29. Democracia à força, com reserva de mercado de eleitores, nada mais é
do que o alicerce viciado e retrógrado sobre o qual se erige o edifício da
incompetência e da corrupção. É a terra fértil onde germina a indústria e o
comércio eleitoral, paraíso dos detentores de grandes currais eleitorais e de
candidatos movidos a dinheiro, manhas e velhos acordos.
30. A experiência histórica brasileira fornece dados suficientes para quebrar
o tabu. O alto índice de abstenções e a enxurrada de votos nulos e brancos das
últimas eleições revelam não ser esse constrangimento, abusivamente imposto ao cidadão, o caminho seguro que conduz à democracia madura. Os recentes
escândalos do Collorgate e da Máfia do Orçamento constituem prova inconteste de
que a obrigatoriedade do voto, como que numa ação mágica, não é capaz de levar o
eleitor à opção mais acertada.
31. Quer no campo das opções municipalistas, quer no âmbito das disputas
estaduais, quer, sobretudo, no plano das decisões afetas ao destino do Estado
Federal, a participação popular tem-se manifestado intensa. Não será, portanto, a
destituição da obrigatoriedade que tornará o voto opção reduzida, monopolizada
por minorias específicas.
32. Cidadão que comparece espontaneamente à urna, não o fazendo por
imposição legal ou por temor das possíveis sanções impostas à conduta absenteísta,
fá-lo numa demonstração de elevado grau de maturidade política. Sabe que o voto
interfere no destino da nação e, claro, na sorte de cada um de nós.
33. Constituindo o sufrágio universal e secreto instrumento essencial da
democracia, não pode ele mesmo ressentir-se do traço essencial da vida
democrática – a liberdade de agir.
34. Se voto obrigatório fosse instrumento essencial da democracia, seria
correta a conclusão de que a extinta União Soviética, onde o sufrágio era
compulsivo, constituiria modelo a ser seguido. A maioria dos países do Primeiro
Mundo, por seu lado, onde o voto é facultativo, seriam exemplo pouco
recomendável. Na verdade, tem-se verificado que, nas nações onde o voto é
voluntário, os representantes têm melhor qualidade, e a democracia revela-se
robusta, distante de tumultos ameaçadores.
35. Nesse contexto, parece-nos que a obrigatoriedade do voto se revela como
exigência de efeitos negativos para o aperfeiçoamento do processo eleitoral, pois o
eleitor, por ser obrigado a votar, acaba se sentindo como participante da
deterioração do sistema político-eleitoral, e não como fator efetivo para sua
melhoria.
36. O voto facultativo, e não o obrigatório, é que conscientiza o eleitor do
seu papel cívico, dando-lhe condições para que ele analise todo o sistema e possa
refletir e agir livremente, de acordo apenas com a sua consciência e vontade, no
momento em que optar entre votar ou não.
ANEXO II
O VOTO NAS AMÉRICAS
Como adendo às considerações acima, acrescentamos o resultado de um
levantamento de informações que empreendemos em relação à obrigatoriedade do
voto nos países integrantes das três Américas, dos quais obtivemos as seguintes
informações e conclusões:
1. PAÍSES QUE ADOTAM O VOTO FACULTATIVO
A) AMÉRICA DO NORTE:
I. Canadá (membro da Comunidade Britânica)
II. Estados Unidos da América
B) AMÉRICA CENTRAL E CARIBE
I. El Salvador
II. Honduras
III. Nicarágua
IV. Cuba
V. Haiti
VI. Todos os países membros da Comunidade Britânica: 1 Jamaica 2 Belize
3 Bahamas
4 Trinidad e Tobago
5 Barbados
6 Granada
7 Antígua e Barbuda
8 Santa Lúcia
9 São Vicente e Granadinos
C) AMÉRICA DO SUL
I. Suriname
II. Guiana (membro da Comunidade Britânica)
III. Colômbia
IV. Paraguai
2. PAÍSES QUE ADOTAM O VOTO COMPULSÓRIO
A) AMÉRICA DO NORTE
I. México
B) AMÉRICA CENTRAL
I. Guatemala
II. Costa Rica
III. Panamá
IV. República Dominicana
C) AMÉRICA DO SUL
I. Brasil
II. Venezuela
III. Equador
IV. Peru
V. Bolívia
VI. Chile
VII. Argentina
VIII. Uruguai
A lista acima permite algumas ilações, tendo em vista a correlação com
alguns fatores de ordem cultural, histórica ou política:
1. Os países anglófonos – integrantes da Comunidade Britânica e EUA –
adotam o voto facultativo.
2. Os países mais ricos da região – Canadá e EUA – adotam o voto
facultativo.
3. A maioria dos países da América Central adota o voto facultativo.
4. Há quase unanimidade na América do Sul na opção pelo voto
obrigatório, não havendo abaixo da linha equatorial quem adote o voto
facultativo, exceto o Paraguai, que, no entanto, considera o voto uma
obrigação ou dever e não, um direito.
5. Os países que adotam o voto compulsório têm sua história associada a
intervenções militares, golpes de estado e autoritarismo político, com
exceção de Costa Rica. No Brasil, o instituto do voto obrigatório esteve a
serviço do autoritarismo político, seja na longa ditadura de Getúlio
Vargas, seja no recente ciclo de governos militares que sufocaram as
liberdades políticas no Brasil, bem como em quase toda a América
Latina.
6. Na América do Sul, a Colômbia, que adota o voto facultativo, foi o único
país de colonização ibérica do continente que não sofreu intervenção
militar quando, na história recente desses países, praticamente todos os
seus Governos foram tomados por regimes antidemocráticos.
7. O fato de o Brasil ser o mais influente país da América do Sul, devido ao
tamanho de sua economia e população, pode ser fator importante para
que os países vizinhos adotem muitos aspectos da legislação eleitoral
brasileira, inclusive a obrigatoriedade do voto.
8. Há, ainda, regimes politicamente fechados, onde não há pluralismo
partidário. É o caso isolado de Cuba, no continente, em que o voto não é
compulsório, mas, devido sua condição de Estado policialesco e
totalitário, tem ampla capacidade de mobilização da população para
referendar, às vezes por unanimidade, decisões tomadas pela cúpula, o
que torna, na prática, o comparecimento às urnas uma obrigação, tendo
em vista o temor do eleitor de ser considerado um inimigo do povo.
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